“Ser patrão” perde brilho: maioria dos autônomos mira volta à CLT

Pesquisa CUT/Vox Populi mostra que 56% dos autônomos que já tiveram carteira assinada querem voltar à CLT, expondo a insegurança do “ser patrão”.

Durante anos, o discurso do empreendedorismo vendeu a ideia de que “ser seu próprio patrão” era o caminho para mais liberdade e renda. Porém, um novo estudo nacional mostra que, no mercado de trabalho brasileiro, essa liberdade sem proteção virou sinônimo de incerteza. Pesquisa “O Trabalho no Brasil”, encomendada pela CUT à Vox Populi, em parceria com Fundação Perseu Abramo e Dieese, ouviu 3,85 mil pessoas em todo o país entre maio e junho de 2025 e revelou que 56% dos autônomos que já tiveram carteira assinada gostariam de voltar ao regime CLT.

Principais resultados da pesquisa

O levantamento, que traça um retrato amplo da classe trabalhadora – com e sem carteira, autônomos, empreendedores, servidores, plataformizados, desempregados e aposentados –, desmonta a ideia de que a CLT “acabou” ou deixou de ser desejada.

  • 56% dos trabalhadores que hoje se declaram autônomos e já foram celetistas dizem que, com certeza, gostariam de voltar a ter carteira assinada.

  • A pesquisa foi feita com 3.850 entrevistados, presencialmente, em todas as regiões do Brasil, entre maio e junho de 2025.

  • Mesmo assim, 53,4% dos participantes acham que “a maioria dos brasileiros prefere empreender”, enquanto 40,1% acreditam que a preferência nacional ainda é pelo emprego formal.

Além disso, o estudo mostra que a vontade de ter um emprego com carteira assinada continua muito presente: 17,8% dizem que esse é o tipo de ocupação que gostariam de ter hoje, quase empatado com os 17,6% que preferem atuar como autônomos. Já o concurso público aparece como sonho de 7,6%, com a “estabilidade” citada por quase metade desse grupo como principal atrativo.

Baixos salários, sobrecarga e falta de oportunidades

Os dados ajudam a entender por que tantos trabalhadores que migraram para o “negócio próprio” sentem saudade da CLT. Segundo o recorte divulgado pela CUT e sistematizado pelo Dieese, a precarização dos vínculos formais empurra muita gente para o trabalho por conta própria.

Entre os principais obstáculos apontados para conseguir um bom emprego estão:

  • 44,5%: salários baixos;

  • 38,7%: exigências excessivas de qualificação;

  • 16,6%: sobrecarga de trabalho;

  • 12%: jornadas muito longas;

  • 56,5%****: percepção de que o mercado de trabalho oferece poucas oportunidades de qualidade.

Dessa forma, muitos trabalhadores deixam vagas formais que pagam pouco e exigem muito e buscam alternativas como bicos, aplicativos, serviços por conta própria ou registro como MEI. Para o presidente da CUT, Sérgio Nobre, esse movimento é consequência direta de empresas que oferecem remuneração insuficiente e ampliam as exigências, empurrando pessoas para a informalidade.

Informalidade alta mantém milhões sem proteção

Enquanto cresce o debate sobre a “liberdade” de empreender, os números mostram que a informalidade ainda é muito alta no Brasil. De acordo com dados recentes da PNAD Contínua do IBGE, a taxa de informalidade chegou a 37,8% da população ocupada, o que representa cerca de 38,7 milhões de pessoas sem todos os direitos garantidos pela CLT.

Essa informalidade inclui:

  • empregados sem carteira de trabalho no setor privado;

  • trabalhadores domésticos sem registro;

  • autônomos e empregadores sem CNPJ;

  • trabalhadores familiares auxiliares.

No dia a dia de grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, e também em cidades médias do interior, esse cenário se traduz em renda instável, dificuldade para contribuir com a Previdência e maior exposição a períodos de baixa demanda. Por isso, a pesquisa indica que a busca por um vínculo formal segue forte, mesmo com todas as críticas ao modelo tradicional de emprego.

Empreendedorismo de necessidade e pejotização

Um dos conceitos centrais da pesquisa é o chamado “empreendedorismo de necessidade” – quando a pessoa abre um negócio ou vira autônoma não por oportunidade, mas por falta de alternativas.

Entre os motivos mais citados para optar pelo trabalho por conta própria estão:

  • 35%: flexibilidade de horário;

  • 25%: desejo de ser o próprio patrão;

  • 18%: vontade de trabalhar com o que gosta.

No entanto, especialistas como o economista Nelson Marconi, da FGV, chamam atenção para a pejotização – quando empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica, muitas vezes para driblar encargos trabalhistas. Ele alerta que essa modalidade costuma dar a impressão de renda mais alta, mas, na prática, o que aumenta é a jornada de trabalho, enquanto a remuneração por hora pode ficar menor do que num emprego formal.

Além disso, há um risco estrutural: uma massa crescente de trabalhadores sem contribuição previdenciária regular, o que pressiona, no futuro, o equilíbrio do sistema de aposentadorias. Por isso, Marconi defende revisar critérios do MEI e coibir o uso desse regime para substituir postos formais por contratos mais baratos e frágeis.

CLT, autonomia e o sonho de estabilidade

A pesquisa também aprofunda como diferentes grupos enxergam o trabalho com carteira, o autônomo e o empreendedor. Em um dos recortes, o estudo mostra que:

  • Entre trabalhadores sem carteira no setor privado (muitos MEIs e PJs), 59,1% afirmam que voltariam com certeza a ter a carteira assinada.

  • Entre mulheres que hoje realizam trabalho de cuidado não remunerado e desejam retornar ao mercado, 52,2% preferem voltar já com vínculo formal.

  • Entre quem se declara autônomo, 55,3% voltariam ou consideram voltar à CLT; já entre os que se enxergam como “empreendedores”, 58,9% dizem que não voltariam ao regime celetista.

Ou seja: enquanto uma parte internaliza o discurso do empreendedorismo como projeto de vida, outra parcela significativa vê no emprego formal a principal saída para recuperar estabilidade de renda, acesso a benefícios como 13º salário, férias remuneradas, FGTS e proteção em caso de doença ou demissão.

Além disso, o concurso público segue no imaginário: 7,6% dos entrevistados apontam essa como ocupação dos sonhos, e 48% citam a estabilidade como o grande atrativo do serviço público.